domingo, 3 de dezembro de 2017

T2 N° 759 : Solange

Solange

Anoitecera completamente durante a história do sr. Ledru. Os habitantes do salão pareciam não mais que sombras, sombras não apenas mudas, como também imóveis, de tal forma temia-se que o sr. Ledru desistisse de seguir adiante, pois era evidente que, por trás da terrível história que acabara de contar, havia outra ainda mais terrível. Não ouvíamos a respiração uns dos outros. Apenas o médico fez menção de abrir a boca. Agarrei-lhe a mão para impedi-lo de falar e, com efeito, ele se calou. Passados alguns segundos o sr. Ledru continuou: — Eu acabava de sair da Abadia e atravessava a praça Taranne para me dirigir à rua de Tournon, onde morava, quando ouvi uma voz de mulher pedindo socorro. Não podiam ser malfeitores, eram apenas dez horas da noite. Corri até a esquina da praça de onde o grito me pareceu ter vindo, e vi, à luz da lua que saía de uma nuvem, uma mulher debatendo-se no meio de uma patrulha de sansculottes.49 A mulher, igualmente, me avistou e, percebendo pelos meus trajes que eu não era exatamente um homem do povo, correu em minha direção, exclamando: — Ei, vejam quem vem ali, é o sr. Albert, um conhecido meu! Ele confirmará que sou de fato a filha da dona Ledieu, a lavadeira. Ao mesmo tempo, a pobre mulher, toda pálida e trêmula, segurou meu braço, agarrando-se a mim como o náufrago na tábua salvadora.

“Ei, vejam quem vem ali, é o sr. Albert, um conhecido meu!” — A belezoca pode até ser filha da dona Ledieu, mas não tem certificado de civismo 50 e vai nos acompanhar até o corpo de guarda! A moça me apertou o braço. Percebi tudo que havia de terror e súplica naquele sinal. Eu compreendera. Como ela me chamara pelo primeiro nome que lhe passara na cabeça, chamei-a pelo primeiro nome que passou na minha. — Ora vejam só! É você, querida Solange? — eu disse. — Mas o que está acontecendo? — Ah, estão vendo, cavalheiros? — ela emendou. — Parece-me que poderia efetivamente dizer cidadãos. — Ora, sr. sargento, não é minha culpa se falo assim — argumentou a moça. — Minha mãe frequentava a alta sociedade, me ensinou a ser bem-educada, de maneira que foi um mau costume que adquiri, sei muito bem, um costume de aristocrata, mas o que quer, sr. sargento, não consigo abandoná-lo! E havia nessa resposta, dada com uma voz trêmula, um imperceptível deboche que apenas eu detectei. Perguntei-me quem podia ser aquela mulher, problema impossível de resolver. Eu só tinha certeza que filha de lavadeira ela não era. — O que está acontecendo? — ela prosseguiu. — Eis o que está acontecendo, cidadão Albert. Imagine que fui entregar uma roupa. A dona da casa tinha saído. Aguardei sua volta para receber meu dinheiro. Que coisa! Nos dias de hoje, todo mundo precisa do seu dinheiro. Anoiteceu. Eu esperava voltar para casa ainda com a luz do dia. Estava sem o meu certificado de civismo. Caí no meio destes senhores, perdão, quero dizer destes cidadãos, que pediram meu certificado, eu respondi não tê-lo comigo, eles quiseram me levar para o corpo de guarda. Gritei, o senhor acorreu, por sorte um conhecido, e então pude ficar tranquila. Pensei: “Como o sr. Albert sabe que me chamo Solange e sabe que sou filha da dona Ledieu, ele responderá por mim.” Não é mesmo, sr. Albert? — Não só o farei, como o faço desde já. — Muito bem! — disse o chefe da patrulha. — E quem responderá por você, senhor janota? — Danton. Será que ele serve? Ele é um bom patriota? — Ah, se Danton lhe dá cobertura, não há o que dizer. — Ótimo! Hoje é dia de reunião nos Capuchinhos.51 Vamos até lá. — Vamos até lá — concordou o sargento. — Cidadãos sans-culottes, avante, marchem! O clube dos Capuchinhos funcionava no ex-convento dos Capuchinhos, na rua da Observance. Lá chegamos num piscar de olhos. À porta, tirei um pedaço de papel de minha carteira, escrevi umas palavras a lápis e entreguei-as ao sargento, incentivando-o a levá-las a Danton, enquanto ficávamos sob custódia do major e da patrulha. O sargento entrou no clube e voltou com Danton. — Como! — me disse ele. — É você que está sendo preso, meu amigo?! Você, amigo de Camille, um dos melhores republicanos que existem?! Como pode ser? Cidadão sargento — acrescentou, voltando-se para o chefe dos sansculottes —, eu respondo por esse homem. Isso lhe basta? — Você responde por ele. Mas e por ela? — insistiu o obstinado sargento. — Por ela? De quem está falando? — Dessa mulher, caramba! — Por ele, por ela, por tudo que o cerca. Está satisfeito? — Sim, estou satisfeito — disse o sargento —, sobretudo por tê-lo visto. — Ah, danado, esse prazer você pode considerar gratuito. Olhe-me à vontade enquanto me tem. — Obrigado. Continue a defender, como vem fazendo, os interesses do povo e, tenha certeza, o povo lhe será grato. — Oh, sim, é justamente o que espero! — replicou Danton. — Concede-me um aperto de mão? — continuou o sargento. — Por que não? E Danton estendeu-lhe a mão. — Viva Danton! — gritou o sargento. — Viva Danton! — repetiu a patrulha. E ela se afastou, liderada por seu chefe, que, a dez passos, voltou-se e, agitando o barrete vermelho, gritou novamente “Viva Danton!”, grito que foi repetido por seus homens. Eu me preparava para agradecer a Danton, quando seu nome, repetido várias vezes no interior do clube, chegou aos nossos ouvidos. — Danton! Danton! — gritavam inúmeras vozes. — À tribuna! — Perdão, meu caro — ele me disse —, você está ouvindo… Um aperto de mão e permita-me entrar. Dei a direita ao sargento, dou-lhe a esquerda. Quem sabe aquele digno patriota não está com sarna? E, girando nos calcanhares, bradou com aquela voz poderosa que desencadeava e acalmava as tempestades das ruas: — Aqui vou eu, esperem por mim! Então precipitou-se para dentro do clube. Fiquei sozinho na porta com a minha desconhecida. — Agora, senhorita — eu lhe disse —, para onde devo levá-la? Estou às suas ordens. — Ora essa! Para a casa da dona Ledieu — ela me respondeu, rindo —, o senhor sabe muito bem que ela é minha mãe. — Mas onde mora a dona Ledieu? — À rua Férou nº24. — Vamos então para a casa da dona Ledieu, à rua Férou nº24. Percorremos de volta a rua dos Fossés-Monsieur-le-Prince até a rua dos Fossés-Saint-Germain, depois a rua do Petit-Lion, retornamos à praça SaintSulpice e chegamos à rua Férou. Fizemos todo esse trajeto sem trocar uma palavra. Ao menos o luar, esplendoroso aquela noite, permitiu que eu a examinasse mais à vontade. Era uma encantadora pessoa de vinte, vinte e dois anos, morena, com grandes olhos azuis, mais espertos que melancólicos, nariz fino e aquilino, lábios trocistas, dentes como pérolas, mãos de rainha, pés de criança. Tudo isso não era capaz de esconder, sob a roupa plebeia de filha da dona Ledieu, um ranço aristocrático que, não por acaso, despertara a suscetibilidade do bravo sargento e sua belicosa patrulha. Ao chegarmos à porta, paramos e nos entreolhamos em silêncio. — Muito bem! O que deseja de mim, querido sr. Albert? — perguntou minha desconhecida, sorrindo. — Eu queria lhe dizer, minha querida srta. Solange, que não terá valido a pena nos encontrarmos para nos despedirmos tão cedo. — Pois eu lhe peço um milhão de desculpas e, ao contrário, penso que valeu muito a pena, considerando que, se não o tivesse encontrado, teriam me levado para o corpo de guarda. Não teriam acreditado que eu era filha da dona Ledieu, descobririam que eu era uma aristocrata e provavelmente teriam me cortado o pescoço. — Confessa então que é uma aristocrata? — Não confesso nada. — Vamos, diga ao menos o seu primeiro nome. — Solange. — Sabe muito bem que esse nome, que lhe atribuí totalmente ao acaso, não é o seu. — Não interessa, gosto dele e fico com ele… para o senhor, pelo menos. — Qual a necessidade de reservá-lo para mim, se não devo revê-la? — Eu não disse isso. Disse apenas que, caso voltemos a nos encontrar, será inútil o senhor saber o meu nome tanto quanto eu o seu. Chamei-o Albert, fique com esse nome, eu fico com Solange. — Está bem, assim seja. Mas ouça, Solange — insisti. — Estou ouvindo, Albert — ela respondeu. — Confessa que é uma aristocrata? — Se não confessasse, o senhor adivinharia, não é mesmo? Dessa forma, minha confissão perde muito de seu mérito. — E é perseguida por ser aristocrata? — De certa maneira. — E se esconde para evitar as perseguições? — Rua Férou nº24, casa da dona Ledieu, cujo marido foi cocheiro do meu pai. Vê que não tenho segredos para o senhor. — E seu pai? — Não tenho segredos para o senhor, meu caro sr. Albert, enquanto eles forem só meus, o que não é o caso dos segredos de meu pai. Ele está escondido, à espera de uma oportunidade para emigrar. É tudo que posso lhe dizer. — E a senhorita, o que pretende fazer? — Partir com meu pai, se for possível. Se for impossível, deixá-lo partir sozinho e depois segui-lo. — E esta noite, quando foi presa, acabava de ver seu pai. — Estava voltando. — Ouça, querida Solange! — Pois não… — Viu o que aconteceu hoje à noite. — Sim, e pude ter uma noção de sua influência. — Oh, infelizmente minha influência não é grande. Mas tenho alguns amigos. — Esta noite conheci um deles. — Você sabe, aquele lá não é um dos homens menos poderosos de nossa época. — Pretende usar sua influência para ajudar na fuga do meu pai? — Não, reservo-a para a senhora. — E para o meu pai? — Para o seu pai, tenho outro jeito. — Tem outro jeito! — exclamou Solange, apoderando-se de minhas mãos e me olhando com ansiedade. — Se eu conseguir salvar o seu pai, guardará uma boa lembrança de mim? — Oh, minha gratidão será eterna! E pronunciou essas palavras com uma adorável expressão de gratidão antecipada. Depois, olhando-me com um ar sofrido, perguntou: — Mas isso lhe bastará? — Sim — respondi. — Oh, eu não estava enganada, o senhor tem o coração nobre! Agradeço-lhe em nome do meu pai e do meu e, se fracassar no futuro, nem por isso lhe deverei menos pelo passado. — Quando nos encontraremos de novo, Solange? — Quando precisa me encontrar? — Amanhã, espero trazer uma boa notícia. — Está bem. Até amanhã. — Onde? — Aqui, se quiser… — Aqui, na rua? — Por Deus! Não vê que continua sendo o lugar mais seguro? Estamos conversando há meia hora em frente a essa porta e não passou ninguém. — Por que eu não posso ir à sua casa, ou a senhorita à minha? — Porque, indo à minha casa, o senhor comprometeria as generosas pessoas que me deram asilo; porque, indo à sua, eu o comprometeria.

Solange — Oh, está bem! Pegarei o certificado de uma parenta minha para a senhorita. — Sim, para guilhotinarem sua parenta se por acaso eu for presa. — Tem razão, arranjarei um certificado com o nome de Solange. — Magnífico! Verá que Solange terminará sendo meu único e verdadeiro nome. — A hora? — Amesma em que nos encontramos hoje. Dez horas, se preferir. — Está bem, dez horas. E como nos encontraremos? — Oh, não é muito difícil. Às cinco para as dez o senhor estará na porta; às dez, eu descerei. — Então até amanhã, querida Solange. — Amanhã às dez, querido Albert.

Quis beijar-lhe a mão, ela me ofereceu a testa. Quis beijar-lhe a mão, ela me ofereceu a testa. Na noite seguinte, às nove e meia, eu estava na rua. Às quinze para as dez, Solange abria a porta. Ambos havíamos nos antecipado. Dei apenas um salto até ela. — Vejo que tem boas notícias — ela disse, sorrindo. — Excelentes. Em primeiro lugar, aqui está seu certificado. — Em primeiro lugar, meu pai. E repeliu minha mão. — Seu pai está salvo, se ele assim quiser. — Se quiser, o senhor diz? O que ele precisa fazer? — Confiar em mim. — Considere feito. — Esteve com ele? — Sim. — A senhorita se expôs. — O que quer? Foi preciso, mas Deus é grande! — E contou tudo ao seu pai? — Disse que ontem o senhor havia salvado a minha vida e que amanhã talvez salvasse a dele. — Amanhã, sim, exatamente. Se ele quiser, salvo-lhe a vida amanhã! — Como? Vamos, fale. Que admirável encontro seria o nosso caso seu plano tenha sucesso! — Só que… — gaguejei, hesitante. — Continue… — A senhorita não poderá partir com ele. — Quanto a isso, não falei que minha decisão estava tomada? — Em pouco tempo, garanto que lhe consigo um passaporte. — Falemos de meu pai primeiro, falaremos de mim depois. — Muito bem! Eu disse que tinha amigos, certo? — Certo. — Fui visitar um deles hoje. — E daí? — Um homem que a senhora conhece de nome e cujo nome é uma garantia de coragem, lealdade e honra. — E esse nome é…? — Marceau. — O general Marceau?52 — Justamente. — Tem razão, se ele prometeu, cumprirá. — Pois bem, ele prometeu! — Meu Deus! Como me faz feliz! Vejamos, o que ele prometeu? Fale. — Prometeu servir-nos. — De que maneira? — Ah, de uma maneira muito simples. Kléber53 acaba de nomeá-lo comandante em chefe do exército do Ocidente. Ele parte amanhã à noite. — Amanhã à noite? Não teremos tempo de preparar nada. — Não temos nada a preparar. — Não compreendo. — Ele leva seu pai. — Meu pai! — Sim, no cargo de secretário. Ao chegar à Vendeia,54 seu pai jura a Marceau jamais lutar contra a França e, uma noite qualquer, ele alcança um acampamento vendeano. Da Vendeia, passa para a Bretanha e a Inglaterra. Quando estiver instalado em Londres, ele lhe dá notícias. Providencio um passaporte para a senhorita e a senhorita vai encontrá-lo em Londres. — Amanhã! — exclamou Solange. — Meu pai partiria amanhã! — Não temos tempo a perder. — Meu pai não está avisado. — Avise-o. — Esta noite? — Esta noite. — Mas como, a essa hora? — A senhora tem um certificado e meu braço. — Tem razão. Meu certificado? Entreguei-lhe o certificado de civismo. Ela guardou-o no peito. — E agora, o seu braço? Dei-lhe o braço e partimos. Descemos até a praça Taranne, isto é, ao local onde eu a encontrara na véspera. — Espere-me aqui — ela me disse. Fiz-lhe uma mesura e esperei. Ela desapareceu na esquina do antigo hotel Matignon e, quinze minutos depois, reapareceu. — Venha — ela disse —, meu pai quer vê-lo para lhe agradecer. Pegou novamente meu braço e conduziu-me até a rua Saint-Guillaume, em frente ao hotel Montemart. Ao chegar ali, tirou uma chave do bolso, abriu uma portinhola lateral, tomou minha mão, guiando-me até o segundo andar, e bateu de uma determinada maneira. Um homem entre quarenta e oito e cinquenta anos abriu a porta. Vestia-se como operário e parecia exercer a profissão de encadernador de livros. Porém, tão logo pronunciou as primeiras palavras e dirigiu-me os primeiros agradecimentos, o grão-senhor se traiu. — Cavalheiro — disse ele —, a Providência enviou-o até nós e o recebo como um emissário da Providência. É verdade que pode me salvar e, sobretudo, que deseja me salvar? Contei-lhe tudo, disse-lhe como Marceau se encarregaria de levá-lo como secretário, não exigindo dele nada além da promessa de não empunhar armas contra a França. — Faço essa promessa com a maior boa vontade, e a renovarei diante dele. — Agradeço-lhe em seu nome e no meu. — Mas quando Marceau parte? — Amanhã. — Devo ir para a casa dele hoje à noite? — Quando quiser. Ele está à sua espera. Pai e filha entreolharam-se. — Acho que seria mais prudente ir hoje à noite, papai — disse Solange. — De acordo. Mas se me detiverem, não tenho certificado de civismo. — Eis o meu. — Ora, e o senhor? — Oh, eu sou conhecido. — Onde mora Marceau? — Na rua da Universidade nº40, na casa da irmã, a srta. DesgraviersMarceau. — Acompanhe-me até lá. — Irei atrás para poder escoltar de volta a senhorita depois que o senhor entrar. — E como Marceau saberá que sou o homem que o senhor mencionou? — O senhor lhe entregará essa cocarda tricolor;55 é o sinal de identificação. — O que farei pelo meu libertador? — Me incumbirá da salvação de sua filha como ela me incumbiu da sua. — Vamos. Ele pôs o chapéu e apagou as luzes. Descemos sob a luz do luar, que atravessava as janelas da escada. Na porta, ele tomou o braço da filha, dobrou à direita e, pela rua dos Santos Padres, alcançou a rua da Universidade. Eu ia atrás deles, sempre a dez passos. Chegamos ao número 40 sem passar por ninguém. Aproximei-me dos dois. — Isso é um bom sinal — eu disse. — E agora, quer que eu espere ou suba com vocês? — Não, não se comprometa mais. Espere minha filha aqui. Fiz-lhe uma cortesia. — Mais uma vez obrigado, e adeus — ele me disse, estendendo-me a mão. — A língua não possui palavras para traduzir o que me vai por dentro. Espero que um dia Deus me deixe em condições de exprimir-lhe toda a minha gratidão. Respondi com um simples aperto de mão. Ele entrou, Solange seguiu-o. Mas ela também, antes de entrar, apertou a minha mão. Ao fim de dez minutos, a porta voltou a se abrir. — E então? — indaguei. — E então! — ela repetiu. — Seu amigo é bastante digno de ser seu amigo, quer dizer, é cheio de delicadezas. Compreendeu que eu me sentiria feliz se fizesse companhia ao meu pai até a hora da partida. Sua irmã mandou que me preparassem uma cama no quarto dele. Amanhã, às três horas da tarde, meu pai estará a salvo de todo perigo. Amanhã, às dez horas da noite, como hoje, se o senhor julgar que a gratidão de uma filha que lhe deverá o pai merece perturbá- lo, venha procurá-la na rua Férou. — Oh, pode estar certa de que irei! Seu pai não mandou nenhum recado para mim? — Agradece-lhe pelo certificado, que aqui está, e pede-lhe que me devolva a ele tão logo possível. — Será quando quiser, Solange — respondi, com um aperto no coração. — Preciso pelo menos saber onde reencontrar meu pai — ela disse. Depois, sorrindo: — Oh, ainda não se livrou de mim! Peguei sua mão e apertei-a no meu coração. Ela, porém, oferecendo-me a testa como na véspera, disse: — Até amanhã. E, aplicando meus lábios em sua testa, não foi apenas sua mão que apertei no meu coração, mas seu peito fremente, seu coração palpitante. Voltei para casa, feliz como nunca me havia sentido. Seria a consciência da boa ação praticada ou já estava apaixonado pela adorável criatura? Não sei se dormi ou não, sei que todas as harmonias da natureza cantavam em mim; sei que a noite pareceu interminável e o dia, imenso, sei que, embora saltando o tempo à minha frente, eu gostaria de retê-lo para não perder um minuto dos dias que ainda tinha por viver. No dia seguinte, às nove horas, eu estava na rua Férou. Às nove e meia, Solange apareceu. Veio até mim e atirou os braços em volta do meu pescoço. — Salvo — disse ela —, meu pai está salvo, e é a você que devo sua salvação! Oh, como o amo! Quinze dias depois, Solange recebeu uma carta comunicando-lhe que seu pai estava na Inglaterra. No dia seguinte, levei-lhe um passaporte. Ao recebê-lo, Solange desmanchou-se em lágrimas. — Então não me ama? — perguntou. — Amo-a mais que a minha vida — respondi —, mas dei minha palavra ao seu pai, e à frente de tudo coloco minha palavra. — Então — disse ela —, eu é que faltarei com a minha. Se tem coragem de me deixar partir, Albert, eu não tenho a de deixá-lo. Ai de mim! Ela ficou.


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