2. O beco dos Sargentos
A última badalada do relógio misturou-se ao som da primeira palavra do
prefeito.
— Jacquemin — disse ele —, espero que dona Antoine esteja variando. Ela
me transmitiu seu recado, segundo o qual sua mulher foi morta e foi você quem
a matou.
— É a pura verdade, sr. prefeito — respondeu Jacquemin. — Devo ser preso
e julgado o mais rápido possível.
Proferindo tais palavras, ele tentou se levantar, apoiando-se no marco com o
cotovelo, mas, após um esforço, caiu de novo, como se os ossos de suas pernas
estivessem quebrados.
— Que ideia! Você está louco! — exclamou o prefeito.
— Olhe as minhas mãos — insistiu Jacquemin.
E ergueu as duas mãos ensanguentadas, às quais seus dedos crispados davam
a forma de foices.
Com efeito, a esquerda estava vermelha até acima do pulso, a direita até o
cotovelo.
Além disso, na mão direita, um filete de sangue fresco corria ao longo do
polegar, proveniente, segundo toda probabilidade, de uma mordida que a vítima,
ao se debater, dera em seu assassino.
Nesse meio-tempo, os dois policiais haviam se aproximado, feito alto a dez
passos do protagonista da cena e, montados em seus cavalos, observavam.
O prefeito fez-lhes um sinal e eles apearam, jogando a rédea de suas
montarias para um garoto de quepe policial, que parecia ser um cavalariço
mirim.
Em seguida, aproximaram-se de Jacquemin e o suspenderam pelas axilas.
Ele não ofereceu resistência alguma, demonstrando a inércia do homem cujo
espírito está absorto num único pensamento.
Nesse instante, o comissário de polícia e o médico chegaram. Acabavam de
ser avisados do ocorrido.
— Ah, venha, sr. Robert! Ah, venha, sr. Cousin! — chamou o prefeito. O sr.
Robert era o médico e o sr. Cousin, o comissário de polícia.
— Aproximem-se, ia mesmo chamá-los.
— Ora, ora! Vejamos, o que houve? — perguntou o médico, com o ar mais
jovial do mundo. — Um caso de simples assassinato, pelo que ouvi dizer?
Jacquemin não respondeu nada.
— Fale então, seu Jacquemin — continuou o médico —, é verdade que foi o
senhor quem matou sua mulher?
Jacquemin não emitiu um som.
— Trata-se no mínimo de uma autoacusação — comentou o prefeito. — No
entanto, ainda torço para que seja uma alucinação, e não um crime real, que o
fez confessar.
— Jacquemin — pediu o comissário de polícia —, responda. É verdade que
matou sua mulher?
Mesmo silêncio.
— Não importa, logo saberemos — opinou o dr. Robert. — Ele não mora no
beco dos Sargentos?
— Mora — responderam os dois policiais.
— Muito bem, sr. Ledru!13 — sugeriu o médico, dirigindo-se ao prefeito.
— Vamos ao beco dos Sargentos.
— Eu não vou lá! Eu não vou! — gritou Jacquemin, desvencilhando-se dos
policiais com um gesto tão violento que, se pretendesse fugir, estaria decerto a
cem passos dali antes que alguém cogitasse persegui-lo.
— Mas por que se recusa a ir? — perguntou o prefeito.
— Que motivos teria eu para ir, se confesso tudo, se estou lhe dizendo que a
matei, e que o fiz com aquela grande espada medieval que roubei do Museu de
Artilharia ano passado? Recolham-me à prisão, não tenho nada a fazer na minha
casa, recolham-me à prisão.
O médico e o sr. Ledru entreolharam-se.
— Meu amigo — ponderou o comissário de polícia, que, como o sr. Ledru,
ainda tinha esperança de que Jacquemin estivesse sob a influência de algum
distúrbio mental momentâneo —, a reconstituição é urgente; aliás, o senhor
precisa estar presente para guiar a justiça.
— Desde quando a justiça precisa ser guiada? — reclamou Jacquemin. — O
senhor achará o corpo na adega e, perto do corpo, apoiada num saco de gesso, a
cabeça. Quanto a mim, levem-me para a prisão.
— Sua presença é imperiosa — ordenou o comissário de polícia.
— Oh, meu Deus, meu Deus! — tremeu Jacquemin, às voltas com o mais
terrível pavor. — Oh, meu Deus, meu Deus! Se eu soubesse…
— Sim! O que teria feito? — perguntou o comissário.
— Ora, teria me matado.
O sr. Ledru balançou a cabeça e, expressando-se com os olhos para o
comissário de polícia, pareceu dizer-lhe: “Aí tem coisa.”
— Vejamos — continuou ele, dirigindo-se ao assassino —, somos amigos,
explique-me tudo, a mim.
— Sim, ao senhor, tudo que quiser, sr. Ledru. Pergunte, interrogue.
— Como é possível, depois de ter a coragem para assassinar alguém, que não
tenha a de se confrontar com sua vítima? Por acaso aconteceu alguma coisa que
deixou de nos contar?
— Oh, sim, uma coisa terrível!
— Ora! Queremos saber, conte.
— Oh, não. Os senhores diriam que não é verdade, diriam que estou louco.
— Não importa! O que aconteceu? Conte.
— Está bem, eu conto, mas só para o senhor.
Aproximou-se do sr. Ledru. Os dois policiais quiseram impedi-lo, mas o
prefeito fez um sinal e eles deixaram o prisioneiro livre.
Até porque, se quisesse fugir agora, teria sido impossível fazê-lo: metade da
população de Fontenay-aux-Roses ocupava a rua Diane e a Grande-Rue.
Jacquemin, como eu disse, acercou-se do ouvido do sr. Ledru.
— Acredita, sr. Ledru — perguntou Jacquemin a meia-voz —, acredita que,
depois de separada do corpo, uma cabeça possa falar?
O sr. Ledru soltou uma exclamação parecida com um grito e empalideceu a
olhos vistos.
— Acredita nisso? Fale — repetiu Jacquemin.
O sr. Ledru fez um esforço.
— Sim — disse —, acredito.
— Pois bem! Pois bem! Ela falou.
— Quem?
— A cabeça… a cabeça de Jeanne.
— Você está dizendo…?
— Estou dizendo que ela estava com os olhos abertos, estou dizendo que ela
mexeu os lábios, que ela me encarou, estou dizendo que, ao me fitar, ela me
xingou: “Miserável!”
Ao pronunciar tais palavras, que tinha a intenção de dizer apenas ao sr. Ledru,
e no entanto eram ouvidas por todos, Jacquemin ganhou um ar assustador.
— Que piada! — exclamou o médico, rindo. — Ela falou… uma cabeça
cortada falou. Boa, muito boa, boa mesmo!
Jacquemin voltou-se.
— Pois estou lhe dizendo… — retrucou.
— Chega! — interrompeu o comissário de polícia. — Mais uma razão para
nos encaminharmos ao local onde se deu o crime. Guardas, escoltem o
prisioneiro.
Jacquemin deu um grito, se contorcendo.
— Não, não — implorou —, podem até me esquartejar, mas não irei.
— Venha, meu amigo — insistiu o sr. Ledru. — Se é verdade que cometeu o
crime terrível de que se acusa, voltar à cena do crime já será um castigo. Aliás
— acrescentou, falando baixinho —, é inútil resistir. Se você não for por bem,
eles o levarão à força.
— Muito bem, então! — disse Jacquemin. — Aceito, mas prometa-me uma
coisa, sr. Ledru.
— O quê?
— Enquanto estivermos na adega, o senhor não sairá de perto de mim.
— Não sairei.
— Permitirá que eu segure sua mão?
— Sim.
— Então está bem — ele cedeu —, podemos ir.
E, puxando do bolso um lenço xadrez, enxugou a testa banhada de suor.
Dirigiram-se todos ao beco dos Sargentos.
O comissário de polícia e o médico caminhavam na frente, seguidos por
Jacquemin e os dois guardas.
Atrás deles, vinham o sr. Ledru e os dois homens que haviam aparecido à sua
porta ao mesmo tempo que ele.
Na retaguarda, como uma torrente encrespada e ruidosa, encachoeirava-se
toda a população, à qual eu vinha misturado.
Após um minuto de caminhada, chegamos ao beco dos Sargentos. Era uma
ruazinha situada à esquerda da Grande-Rue, descendo até um portão de madeira
carcomida, que se abria tanto por duas grandes portas quanto por uma portinhola
recortada numa dessas portas.
A portinhola estava presa por uma única dobradiça.
À primeira vista, tudo parecia calmo na casa. Uma roseira floria na entrada
e, ao lado da roseira, num banco de pedra, um gato gordo e ruivo se aquecia
beatificamente ao sol. Percebendo toda aquela gente, ouvindo todo aquele
barulho, ele se amedrontou, fugiu e desapareceu pelo respiradouro de um porão.
Ao chegar à entrada que descrevemos, Jacquemin se deteve.
Os policiais quiseram fazê-lo passar à força.
— Sr. Ledru — disse ele, voltando-se —, sr. Ledru, o senhor prometeu não
sair de perto…
— Pois não! Aqui estou — assegurou o prefeito.
— Sua mão, sua mão!
E cambaleava como se estivesse prestes a cair.
O sr. Ledru aproximou-se, fez sinal para os dois policiais soltarem o
prisioneiro e deu-lhe a mão, dizendo.
— Responsabilizo-me por ele.
Era evidente que, a partir dali, o sr. Ledru não era mais o prefeito de uma
comuna desejando a punição de um crime, e sim um filósofo explorando
domínios desconhecidos.
Com a ressalva de que seu guia na insólita exploração era um assassino.
O médico e o comissário foram os primeiros a entrar, seguidos pelo sr. Ledru
e Jacquemin. Depois entraram os guardas e alguns privilegiados, eu entre eles,
graças ao contato que fizera com os srs. policiais, para quem eu não era mais um
estranho, tendo tido a honra de conhecê-los diante do portão do prefeito e de
mostrar-lhes meu porte de arma.
A porta foi fechada para o restante da população, que ficou a resmungar do
lado de fora.
Avançamos até a porta da casinha.
Nada sugeria o acontecimento terrível que ali se dera. Tudo estava em seu
lugar: a cama forrada de gabardine verde em sua alcova, tendo à cabeceira o
crucifixo de madeira preta, coroado desde a última Páscoa por um galho de buxo
seco. Sobre a lareira, um Menino Jesus de cera, deitado em meio a flores entre
dois castiçais Luís XVI, cujo banho de prata se gastara com o tempo. Na parede,
quatro gravuras coloridas, emolduradas em madeira escura e representando as
quatro partes do mundo.
Sobre uma mesa, talheres para uma pessoa; na pedra do fogão, um refogado
fervendo; e, próximo a um cuco que dava a meia-hora, um armário de comida
aberto.
— E então! — disse o médico, no seu tom jovial. — Até agora não vejo nada.
— Entre pela porta da direita — murmurou Jacquemin, com uma voz rouca.
A indicação do prisioneiro foi seguida e vimo-nos numa espécie de despensa
onde, num dos cantos, abria-se um alçapão, e em cujo vão tremeluzia uma luz,
vinda de baixo.
— Ali, ali — murmurou Jacquemin, agarrando-se ao braço do sr. Ledru com
uma das mãos e com a outra apontando para a adega.
— É agora! — sussurrou o médico ao comissário de polícia, com aquele
sorriso terrível das pessoas a quem nada impressiona porque não acreditam em
nada. — Parece que a sra. Jacquemin obedeceu ao preceito de mestre Adão.14
E cantarolou:
Se eu morrer, que me enterrem
Na adega onde está…
— Silêncio! — interrompeu Jacquemin, rosto lívido, cabelos eriçados, suor na
testa. — Não cante aqui.
Assustado com a expressividade de sua voz, o médico se calou.
Quase imediatamente, porém, ao descer os primeiros degraus da escada,
perguntou:
— O que é isso?
E, abaixando-se, recolheu uma espada de lâmina larga.
Era a espada medieval que Jacquemin, como ele próprio dissera, roubara do
Museu de Artilharia, em 29 de julho de 1830.15 A lâmina estava suja de sangue.
O comissário tomou-a das mãos do médico.
— Reconhece essa espada? — perguntou ao prisioneiro.
— Sim — respondeu Jacquemin. — Depressa! Depressa! Vamos acabar com
isto.
Havíamos encontrado o primeiro indício do assassinato.
Adentramos a adega, na ordem já mencionada: o médico e o comissário de
polícia à frente, depois o sr. Ledru e Jacquemin, depois as duas pessoas que se
achavam na casa do sr. Ledru, depois os guardas, depois os privilegiados, entre
eles eu.
Após descer o sétimo degrau, meu olho mergulhou na adega e abarcou o
terrível quadro que tentarei descrever.
O primeiro elemento que chamava a atenção era um cadáver sem cabeça,
deitado junto a um barril, de cujo botoque, malfechado, continuava a escapar um
filete de vinho. Este, ao escorrer, formava um canal que ia se perder sob o
cavalete de apoio.
O cadáver estava contorcido no meio, como se o tronco, virado para cima,
houvesse começado um movimento de agonia que as pernas não puderam
acompanhar. O vestido, de um lado, arregaçava-se até a canela.
Via-se que a vítima fora golpeada no momento em que, de joelhos diante do
barril, começava a encher uma garrafa, que lhe escapara das mãos e jazia a seu
lado.
Toda a parte superior do corpo boiava numa poça de sangue.
Sobre um saco de gesso encostado na parede, como um busto sobre o
pedestal, percebia-se, ou melhor, adivinhava-se uma cabeça afogada numa
cabeleira. Uma faixa de sangue avermelhava o saco, do topo até a metade.
O médico e o comissário já haviam inspecionado o cadáver e se posicionado
de frente para a escada.
Quase no centro da adega estavam os dois amigos do sr. Ledru e alguns
curiosos que se espremeram para chegar até ali.
Ao pé da escada, quedava-se Jacquemin, pois ninguém conseguira fazê-lo
descer o último degrau.
Atrás de Jacquemin, os dois guardas.
Atrás dos guardas, cinco ou seis pessoas, entre as quais eu mesmo,
aglomeravam-se no alto da escada.
Todo esse interior lúgubre era iluminado pelo fulgor trêmulo da vela, pousada
justamente sobre o barril de onde escorria o vinho e diante do qual jazia o
cadáver da sra. Jacquemin.
— Uma mesa e uma cadeira — ordenou o comissário —, precisamos
conversar.
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