domingo, 3 de dezembro de 2017

T2 N° 757 : A casa de Scarron

A casa de Scarron

Uma hora depois, eu estava na casa do sr. Ledru. Encontrei-o no pátio por acaso. — Ah — disse ele ao me ver —, é o senhor? Tanto melhor, não me aborrece conversarmos um pouco antes de apresentá-lo a nossos convidados, pois janta conosco, não é mesmo? — O senhor terá de me desculpar. — Não aceito desculpas. O senhor apareceu numa quinta-feira, azar o seu. Quinta-feira é o meu dia, tudo que entra em minha casa às quintas-feiras me pertence por inteiro. Depois do jantar, estará livre para ficar ou ir embora. Não fosse o recente episódio, teria me encontrado à mesa, considerando que almoço invariavelmente às duas da tarde. Hoje, excepcionalmente, almoçaremos às três e meia ou quatro. Pirro,19 que o senhor vê ali… — e o sr. Ledru me apontou um mastim magnífico —, aproveitou-se do susto da sra. Antoine para abocanhar o pernil, estava em seu direito, de maneira que fomos obrigados a mandar buscar outro no açougueiro. Mas eu dizia que isso me daria tempo não apenas de apresentá-lo aos meus convidados, como de lhe dar algumas informações sobre eles. — Informações? — Sim, são personagens que, como os do Barbeiro de Sevilha e do Fígaro,20 exigem certa explicação prévia a respeito de seus costumes e caráter. Mas comecemos pela casa. — Creio tê-lo ouvido dizer que pertenceu a Scarron? — Sim, aqui a futura esposa do rei Luís XIV, imaginando divertir o homem “indivertível”, cuidava de seu pobre perneta, o primeiro marido. O senhor verá o quarto. — O da sra. de Maintenon? — Não, o da sra. Scarron. Não confunda: o quarto da sra. de Maintenon fica em Versalhes ou em Saint-Cyr.21 Venha. Subindo uma grande escada, vimo-nos em uma galeria que dava para o pátio. — Veja — disse-me o sr. Ledru —, eis algo que lhe diz respeito, sr. poeta. Usava-se um código rebuscado em 1650. — Ah, o mapa da Ternura?22 — Ida e volta, desenhado por Scarron e anotado pela mão da mulher. Nada menos que isso. Com efeito, dois mapas ocupavam o intervalo entre as janelas. Haviam sido desenhados a pena sobre uma grande folha de papel colada numa cartolina. — Observe — continuou o sr. Ledru —, essa grande serpente azul é o rio da Ternura; esses pequenos pombais são as aldeias dos Mimos, dos Bilhetinhos e do Mistério. Eis o albergue do Desejo, o vale das Doçuras, a ponte dos Suspiros, a floresta do Ciúme, povoada por monstros como Armida.23 Por fim, no meio do lago onde nasce o rio, o palácio do Perfeito Contentamento: é o fim da viagem, o objetivo do circuito. — Diabos! Que vejo ali? Um vulcão? — Exatamente, ele às vezes sacode o país. É o vulcão das Paixões.

Essa grande serpente azul é o rio da Ternura; esses pequenos pombais são as aldeias dos Mimos, dos Bilhetinhos e do Mistério.” — Ele não está no mapa da srta. de Scudéry? — Não. É uma invenção da sra. Paul Scarron. Uma das duas! — E a outra? — A outra é o Regresso. Como pode perceber, o rio transborda, engrossado pelas lágrimas dos que percorrem suas margens. Aqui estão as aldeias do Tédio, o albergue dos Remorsos e a ilha do Arrependimento. Não existe nada mais engenhoso. — Me daria autorização para copiar? — Ah, o quanto quiser. Agora quer conhecer o quarto da sra. Scarron? — Com certeza, sim! — Ei-lo. O sr. Ledru abriu uma porta e deixou que eu entrasse primeiro. — Atualmente eu durmo nele, mas, afora os livros, dos quais está abarrotado, afirmo-lhe que se encontra como na época da ilustre proprietária. É a mesma alcova, a mesma cama, a mesma mobília. Esses gabinetes de toalete eram dela. — E o quarto de Scarron? — Oh, o quarto de Scarron ficava do outro lado da galeria. Mas, quanto a ele, sinto decepcioná-lo. Ninguém entra lá, é o quarto secreto, o gabinete do BarbaAzul. — O quê?! — Assim é a vida. Também tenho meus mistérios, por mais prefeito que eu seja. Contudo, venha, vou lhe mostrar outra coisa. O sr. Ledru adiantou-se. Descemos a escada e entramos no salão principal. Como todo o resto da casa, o salão tinha um caráter próprio. Seu revestimento consistia num papel cuja cor primitiva teria sido difícil determinar. Ao longo de toda a parede, reinava uma dupla fileira de poltronas, como que bordada a um renque de cadeiras, pois eram todas estofadas com o mesmo velho forro. Aqui e ali, mesas de jogo e mesinhas de apoio. No centro de tudo isso, como o Leviatã em meio aos peixes do oceano, estendia-se uma gigantesca escrivaninha, da parede, onde uma de suas extremidades ficava encostada, até um terço do salão. Estava coberta de livros, folhetos e jornais, entre os quais se destacava, como um rei, Le Constitutionnel,24 leitura favorita do sr. Ledru. O salão encontrava-se vazio, os convidados passeavam no jardim, o qual, através das janelas, descortinávamos em toda a sua extensão. O sr. Ledru foi direto à escrivaninha e abriu uma imensa gaveta contendo certa profusão de saquinhos, semelhantes a saquinhos de sementes. Guardados na gaveta, eles ainda haviam sido postos dentro de envelopes etiquetados. — Veja — ele me disse —, outra novidade para o senhor, o homem histórico, mais interessante até que o mapa da Ternura. Trata-se de uma coleção de relíquias, não de santos, mas de reis. Com efeito, cada envelope continha um osso, cabelos ou fios de barba. Havia uma rótula de Carlos IX, um polegar de Francisco I, um fragmento do crânio de Luís XIV, uma costela de Henrique II, uma vértebra de Luís XV, fios da barba de Henrique IV e dos cabelos de Luís XIII. Cada rei fornecera sua amostra e todos aqueles ossos poderiam compor quase um esqueleto completo, que teria representado fielmente o da monarquia francesa, no qual há muito tempo faltam os ossos principais. Como se não bastasse, havia um dente de Abelardo e outro de Heloísa,25 dois incisivos muito brancos, que, na época em que eram recobertos por lábios frementes, talvez tivessem se encontrado num beijo. De onde vinha tal ossuário? O sr. Ledru presidira a exumação dos reis em Saint-Denis e pinçara, dentro de cada túmulo, o que bem entendeu. O sr. Ledru concedeu-me uns instantes para que eu saciasse a curiosidade. Em seguida, vendo que eu examinara praticamente todas as suas etiquetas, me interrompeu: — Vamos, chega de cuidar dos mortos, dediquemo-nos um pouco aos vivos. E conduziu-me a uma das janelas pelas quais, como eu disse, a vista mergulhava no jardim. — Possui um jardim encantador — cumprimentei-o. — Jardim de padre, com seu quadrilátero de tílias, sua coleção de dálias e roseiras, seus dosséis de vinha e seus pomares de pêssegos e abricós. Verá tudo isso, mas, por ora, ocupemo-nos não do jardim, mas dos que nele passeiam. — Ah, conte-me antes quem é esse sr. Alliette, vulgo Etteilla por anagrama, que perguntou se queríamos saber sua idade verdadeira ou apenas a que lhe costumam dar. Creio que ele aparenta perfeitamente os setenta e cinco anos que o senhor lhe conferiu. — Justamente — respondeu-me o sr. Ledru. — Eu pretendia começar por ele. O senhor leu Hoffmann?26 — Sim, por quê? — Porque ele é um homem de Hoffmann. A vida inteira, tentou adivinhar o futuro por intermédio das cartas e dos números. Tudo o que possui, ele joga na loteria, na qual começou por ganhar o terno e na qual nada mais ganhou desde então. Conheceu Cagliostro e o conde de Saint-Germain. Declara ser da mesma estirpe que os dois e, como eles, deter o segredo do elixir da longa vida. Sua idade real, se lhe perguntar, é duzentos e setenta e cinco anos. A princípio viveu cem anos sem enfermidades, do reinado de Henrique II ao de Luís XV.27 Depois, graças a seu segredo, embora morrendo aos olhos do vulgo, concluiu três outras voltas de cinquenta anos cada. Neste momento, está começando a quarta; tem, portanto, apenas vinte e cinco anos. Os primeiros duzentos e cinquenta anos só contam agora como memória. Viverá assim, e o proclama alto e bom som, até o Juízo Final. No século XV, teriam queimado Alliette e estariam errados; hoje, limitam-se a ter pena dele, e estão igualmente errados. Alliette é o homem mais feliz da Terra. Seu único assunto são os tarôs, baralhos, sortilégios, ciências egípcias de Thot, mistérios isíacos.28 Sobre todos esses temas, publica livretos que ninguém lê e que, não obstante, um livreiro, louco igual a ele, edita sob o pseudônimo, ou melhor, o anagrama Etteilla. Seu chapéu vive repleto de brochuras. Repare bem nele: abraçado ao próprio chapéu, por medo de que roubem seus valiosos livretos. Observe o homem, a fisionomia, os trajes, e veja como a natureza é sempre harmoniosa, e como, precisamente, o chapéu se amolda à cabeça, o homem ao hábito e o gibão ao molde, como vocês, românticos, dizem. Com efeito, nada mais verdadeiro. Examinei Alliette. Vestia uma roupa encardida, empoeirada, rota, manchada. Seu chapéu, com abas reluzentes como couro envernizado, era exageradamente largo em cima. Usava uma calça de lã preta, meias pretas, ou melhor, ruças, e sapatos arredondados como os daqueles monarcas em cujos reinados afirmava ter “recebido o nascimento”. Fisicamente, era um homenzinho roliço, atarracado, com cara de esfinge, roufenho, boca ampla e desdentada, marcada por um ríctus profundo, com cabelos ralos, compridos e amarelos, esvoaçando como uma auréola ao redor de sua cabeça. — Está conversando com o padre Moulle — eu disse ao sr. Ledru —, aquele que estava a seu lado em nossa aventura de horas atrás, aventura da qual voltaremos a falar, não é mesmo? — E por que voltaríamos a falar dela? — perguntou o sr. Ledru, observandome com curiosidade. — Porque o senhor, se me permite dizê-lo, pareceu acreditar na possibilidade de a cabeça ter falado. — O senhor é um bom fisionomista. Vá lá, é verdade, eu acredito. Sim, voltaremos a falar deste assunto e, se tem curiosidade por histórias do gênero, aqui encontrará interlocutores. Mas passemos ao padre Moulle. — Deve ser — interrompi — um conversador envolvente. Impressionou-me a doçura de sua voz quando respondeu ao interrogatório do comissário. — Parabéns! Mais uma vez o senhor adivinhou certo. Moulle é meu amigo há quarenta anos e tem sessenta. Observe, é tão decente e orgulhoso de sua elegância quanto Alliette é roto, sujo e desleixado. É um homem público típico, com bastante influência na sociedade do faubourg Saint-Germain. É ele quem casa os filhos e filhas dos pares de França. Esses casamentos lhe servem de ocasião para pronunciar pequenos discursos que as partes contratantes mandam imprimir e guardam ciosamente na família. Quase foi bispo de Clermont. Sabe por que não foi? Porque antigamente era amigo de Cazotte,29 e porque, como Cazotte, acredita na existência dos espíritos superiores e inferiores, dos gênios benfazejos e malfazejos. Como Alliette, coleciona livros. Encontrará em sua casa toda a literatura sobre visões e aparições, espectros, larvas,30 assombrações, embora raramente aborde tais assuntos, exceto entre amigos, pois estão longe de ser ortodoxos. Em suma, é um homem convicto, mas discreto, que atribui tudo o que acontece de extraordinário neste mundo à potência do inferno ou à intervenção das inteligências celestes. Observe, está ouvindo em silêncio o que Alliette lhe diz; parece olhar para algum objeto que seu interlocutor não vê e ao qual responde de tempos em tempos com um movimento dos lábios ou um sinal da cabeça. Às vezes, quando está aqui conosco, cai subitamente num devaneio sombrio, sente calafrios, treme, olha para os lados e vai e vem pelo salão. O melhor, nessas horas, é não interferir. Talvez fosse perigoso despertá-lo. Digo despertá-lo, pois julgo-o em estado de sonambulismo. A propósito, ele desperta por si só nesses casos e, como verá, o faz graciosamente. — Oh! Veja só — interrompi o sr. Ledru —, acho que ele acaba de evocar um desses espíritos a que o senhor se refere… E apontei com o dedo um verdadeiro espectro ambulante, que se juntava aos dois palestrantes e pousava com precaução o pé entre as flores, sobre as quais parecia poder caminhar sem causar danos. — Aquele — disse-me o prefeito — é outro amigo meu, o cavaleiro Lenoir…31 — O criador do museu dos Capuchinhos? — Ele mesmo. Ele sofre amargamente com o fim de seu museu, em cuja defesa, em 1793 e 1794, quase foi morto dez vezes. A Restauração, com sua inteligência medíocre, mandou fechá-lo, ordenando a devolução das obras de arte às suas residências de origem e às famílias com direito a reivindicá-las. Infelizmente, a maioria dessas obras foi destruída, a maioria das famílias extinguiu-se, de maneira que as peças mais interessantes de nossa escultura antiga, e por conseguinte de nossa história, se dispersaram e perderam. É assim que tudo da nossa velha França vai embora. Restaram apenas esses fragmentos e deles em breve nada restará. Quem os destrói? Justamente os que seriam os maiores interessados em sua conservação. E o sr. Ledru, por mais liberal que fosse, como se dizia na época, deu um suspiro. — Estes são todos os seus convidados? — perguntei. — Talvez tenhamos o dr. Robert. Sobre este, nada lhe falo, presumo que tenha feito seu julgamento. É um homem que fez experimentos com a máquina humana a vida inteira, como teria feito com um boneco, sem desconfiar que essa máquina possuía uma alma para compreender as dores e nervos para senti-las. É um bon-vivant, responsável por um grande número de mortes. Para o bem dele próprio, não acredita em assombrações. É um espírito medíocre, que se julga elevado porque é barulhento, filósofo porque é ateu. É um desses homens que recebemos não para recebê-los, mas porque eles vêm à nossa casa. Procurá-los onde estão nunca nos passa pela cabeça. — Oh, senhor, como conheço essa espécie! — Deveríamos ter ainda outro amigo meu, que, embora mais jovem que Alliette, o padre Moulle e o cavaleiro Lenoir, discute ao mesmo tempo com Alliette sobre cartomancia, com Moulle sobre demonologia e com o cavaleiro Lenoir sobre antiguidades; uma biblioteca viva, um catálogo encadernado em pele de cristão. O senhor deve conhecê-lo. — O bibliófilo Jacob?32 — Ele mesmo. — E ele não virá? — Pelo menos não veio e, como sabe que almoçamos impreterivelmente às duas horas, e sendo já quase quatro, não há mais chance de vir. Estará à procura de algum alfarrábio impresso em Amsterdã, em 1570, edição princeps,33 com três erros de tipografia, um na primeira folha, um na sétima e um na última. Nesse momento, a porta do salão se abriu e a sra. Antoine apareceu. — O almoço está servido — convidou. — Vamos, senhores — chamou o sr. Ledru, abrindo por sua vez a porta do jardim. — À mesa, à mesa! E voltando-se para mim: — A propósito, em algum lugar do jardim, além dos convidados que o senhor vê e cuja história lhe contei, encontra-se um convidado que o senhor não viu e a quem omiti. Este é desligado demais das coisas deste mundo para ouvir o convite grosseiro que acabo de fazer e ao qual, como vê, curvam-se os nossos amigos. Procure-o, é do seu interesse. Quando descobrir sua imaterialidade, sua transparência, eine Erscheinung,34 como dizem os alemães, apresente-se e tente persuadi-lo de que é razoável comer de vez em quando, nem que seja para continuar vivo. Ofereça-lhe o braço e traga-o consigo. Vá. Obedeci ao sr. Ledru, pressentindo que o indivíduo encantador que eu acabara de apreciar me preparava, para dali a instantes, alguma surpresa agradável. Penetrei no jardim olhando em volta. Não precisei procurar muito, logo avistei o que procurava. Era uma mulher, sentada à sombra de uma fronde de tílias, e da qual eu não via nem o rosto nem o desenho do corpo: o rosto porque estava virado para o lado do campo; o desenho do corpo porque um grande xale a envolvia. Ela usava preto dos pés à cabeça. Aproximei-me sem que ela esboçasse qualquer movimento. O rumor de meus passos não parecia chegar aos seus ouvidos. Poderia ser confundida com uma estátua. No mais, tudo que vislumbrei de sua pessoa era gracioso e distinto. De longe, percebi que era loura. O raio de sol que atravessava a folhagem das tílias brincava em seus cabelos, transformando-os numa auréola dourada. Chegando mais perto, reparei na delicadeza de seus cabelos, capazes de rivalizar com os fios de seda que as primeiras brisas do outono arrancam do manto da Virgem. Seu pescoço — um pouco longo talvez, exagero encantador que não raro constitui um charme, quando não uma beleza —, curvava-se para ajudar a cabeça a apoiar-se em sua mão direita, enquanto o cotovelo estava apoiado no encosto da cadeira e o braço esquerdo pendia ao seu lado, segurando uma rosa branca na ponta de dedos esguios. Pescoço sinuoso como o de um cisne, mãos lânguidas, braços pendentes, tudo exibia a mesma alvura fosca. Feito um mármore de Paros,35 sem veias na superfície, sem pulsação no interior. A rosa, que começava a murchar, era mais colorida e viva que a mão que a segurava. Observei-a por um instante e, quanto mais a observava, mais me parecia não se tratar de um ser vivo o que eu tinha diante dos olhos. Cheguei a desconfiar que, mesmo interpelada, ela não se mexeria. Por duas ou três vezes minha boca se abriu e tornou a fechar sem uma palavra.

No mais, tudo que vislumbrei de sua pessoa era gracioso e distinto. Por fim, decidi-me: — Senhora — chamei. Ela estremeceu, voltou-se e me fitou surpresa, como alguém que sai de um sonho e reagrupa seus pensamentos. Os grandes olhos negros fixados em mim — a despeito dos cabelos louros que descrevi, as sobrancelhas e olhos eram negros — tinham uma expressão estranha. Permanecemos alguns segundos sem nos falar, ela me fitando, eu examinando-a. Era uma mulher de trinta e dois, trinta e três anos, que devia ter sido de uma beleza deslumbrante antes que suas faces se cavassem e sua tez empalidecesse. Ainda assim, achei-a perfeitamente bela, com seu rosto de madrepérola e no mesmo tom de sua mão, sem nenhuma nuance de encarnado, fazendo com que os olhos parecessem de azeviche e os lábios, de coral. — Madame — repeti —, o sr. Ledru afirma que se eu lhe anunciar que sou o autor de Henrique III, de Christine e de Antony,36 a senhora terá a gentileza de me considerar apresentado e permitirá que eu a conduza até a sala de jantar. — Perdão, cavalheiro — disse ela —, já se encontrava aqui faz um instante, não é? Percebi sua chegada, porém não consegui me virar. Isso às vezes me acontece quando me concentro em determinadas coisas. Sua voz quebrou o encanto. Dê-me o braço então, e vamos. Levantou-se e enfiou o braço sob o meu. Contudo, embora não parecesse em absoluto acanhada, mal senti a pressão daquele braço. Caminhava ao meu lado feito uma sombra. Chegamos à sala de jantar sem trocar uma palavra a mais. Dois lugares estavam reservados na mesa: um, à direita do sr. Ledru, para minha acompanhante; o outro, defronte dela, para mim.


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