domingo, 3 de dezembro de 2017

T2 N° 766 : Os dois irmãos

 Os dois irmãos


A partir daquele momento fui incorporada ao castelo e, simultaneamente, começou o drama que irei narrar. Os dois irmãos apaixonaram-se por mim, cada um com as nuances de seu caráter. Logo no dia seguinte, Kostaki declarou me amar, afirmando que eu seria dele e de nenhum outro e que preferia me matar a ver-me com quem quer que fosse. Gregoriska não reagiu, mas passou a me cercar de cuidados e atenções. Todos os recursos de uma educação brilhante, todas as lembranças de uma juventude vivida nas cortes mais nobres da Europa foram empregados para me agradar. Ai de mim! Não era difícil: ao primeiro som de sua voz, eu sentira minha alma acariciada; ao primeiro relance de seus olhos, eu sentira meu coração golpeado. No fim de três meses, Kostaki havia repetido centenas de vezes que me amava, enquanto eu o odiava; no fim de três meses, Gregoriska ainda não me dirigira uma única palavra de amor e eu sentia que, no momento em que ele exigisse, eu seria plenamente sua. Kostaki desistira de suas expedições. Não abandonava mais o castelo. Abdicara momentaneamente em favor de uma espécie de lugar-tenente, que, de tempos em tempos, vinha pedir-lhe ordens e desaparecia. Esmeranda também me dedicava uma amizade apaixonada, que se manifestava de uma forma que me dava medo. Visivelmente, protegia Kostaki e parecia ter mais ciúme de mim do que ele próprio. Embora não entendesse polonês nem francês, e eu não compreendesse o moldávio, sendo-lhe impossível defender explicitamente o filho junto a mim, aprendera a dizer em francês três palavras que repetia sempre que seus lábios pousavam em minha testa: — Kostaki ama Hedwige. Um dia recebi uma notícia terrível que veio agravar o meu infortúnio: os quatro sobreviventes do combate haviam sido soltos e retornado à Polônia, prometendo que um deles voltaria antes de três meses para me dar notícias de meu pai. Com efeito, um deles reapareceu certa manhã. Nosso castelo fora tomado, incendiado e arrasado. Meu pai fora morto em combate. Agora eu estava sozinha no mundo. Kostaki intensificou o assédio e Esmeranda, a ternura, mas aleguei estar de luto pelo meu pai. Kostaki insistiu, afirmando que, quanto mais sozinha no mundo, mais eu precisava de um braço forte. Sua mãe insistiu como ele e junto com ele, mais que ele talvez. Gregoriska me falara do autocontrole dos moldávios quando não querem deixar transparecer seus sentimentos. Ele era um exemplo vivo disso. Impossível alguém ter mais certeza do amor de um homem do que eu tinha do seu, e, não obstante, se houvessem me perguntado em que provas se baseava tal certeza, eu não saberia responder. Ninguém no castelo vira sua mão tocar a minha, seus olhos buscarem os meus. Apenas o ciúme podia alertar Kostaki sobre aquela rivalidade, assim como apenas meu amor me alertava sobre esse amor. No entanto, admito, preocupava-me aquela impenetrabilidade de Gregoriska. Eu decerto acreditava, mas não era o bastante; precisava de uma prova. Então, certa noite, de volta ao quarto, ouvi baterem discretamente numa das duas portas que, como eu disse, trancavam por dentro. Pela maneira como batiam, presumi ser o chamado de um amigo. Aproximei-me e perguntei quem era. — Gregoriska! — respondeu-me uma voz que não dava margem a dúvida. — O que deseja de mim? — perguntei-lhe, toda trêmula. — Se confia em mim — disse Gregoriska —, se me julga um homem honrado, conceda-me um pedido! — E qual é? — Apague a luz como se estivesse dormindo e, daqui a meia hora, abra a porta para mim. — Volte daqui a meia hora — foi minha única resposta. Apaguei a luz e esperei. Meu coração batia com força, pois era evidente que alguma coisa importante havia acontecido. Meia hora depois, ouvi baterem ainda mais suavemente do que da primeira vez. Não esperei, puxei os ferrolhos, não me restando outra coisa a fazer senão abrir a porta. Gregoriska entrou e, sem precisar que me instruísse, empurrei a porta atrás dele e passei novamente os ferrolhos. Ele permaneceu mudo e imóvel por um instante, impondo-me silêncio com gestos. Certificando-se de que nenhum perigo iminente nos ameaçava, levou-me até o meio do vasto quarto e, sentindo pelo meu tremor que eu não conseguiria ficar de pé, ofereceu-me uma cadeira. Sentei-me, ou melhor, deixei-me cair no assento. — Oh, meu Deus — perguntei —, o que houve e por que tantas precauções? — Porque minha vida, o que seria o de menos, e talvez também a sua dependem da conversa que teremos. Peguei sua mão, assustadíssima. Enquanto levava minha mão até seus lábios, ele me fitou pedindo perdão pela audácia. Abaixei os olhos: era consentir. — Amo-a — ele me disse, em sua voz melodiosa como um canto. — Você me ama? — Sim — respondi-lhe. — Aceitaria ser minha mulher? — Sim. Ele passou a mão na testa, com uma profunda respiração de felicidade. — Então não se recusa a me acompanhar? — Eu o seguirei até onde quiser! — Pois a senhorita compreende — ele continuou — que não podemos ser felizes a não ser fugindo. — Oh, sim — exclamei —, fujamos! — Silêncio! — ele ordenou, estremecendo. — Silêncio! — Tem razão. E me aproximei dele, toda trêmula. — Eis o que fiz — ele disse. — Eis o que explica minha demora em lhe confessar meu amor: eu queria, confirmado o seu amor por mim, que nada pudesse impedir nossa união. Sou rico, Hedwige, imensamente rico, mas à maneira dos grão-senhores moldávios: rico de terras, de rebanhos, de servos. Pois bem! Vendi ao mosteiro de Hango, por um milhão, terras, rebanhos e aldeias. Pagaram por tudo trezentos mil francos em pedras preciosas, cem mil em ouro e o restante em letras de câmbio para Viena. Um milhão é o bastante para si? Apertei sua mão. — Seu amor me teria bastado, Gregoriska, julgue. — Esplêndido! Agora ouça. Amanhã, irei ao mosteiro de Hango para acertar os últimos detalhes com o superior. Ele arreou cavalos, que estarão à nossa disposição a partir das nove horas, escondidos a cem passos do castelo. Depois do jantar, a senhorita sobe como hoje; como hoje, apaga a lamparina; como hoje, entro em seus aposentos. Amanhã, porém, em vez de sair sozinha, a senhorita me seguirá, alcançaremos a porta que dá para o campo, encontraremos nossos cavalos, montaremos e, depois de amanhã, teremos feito cento e vinte quilômetros. — Pena que ainda não seja depois de amanhã! — Querida Hedwige! Gregoriska me apertou contra seu peito, nossos lábios se encontraram. Oh, ele estava certo: fora para um homem honrado que eu abrira a porta do meu quarto. Mas agora já não havia como duvidar: se eu não lhe pertencia de corpo, pertencia-lhe de alma. Passei a noite sem conciliar um minuto de sono. Via-me fugindo com Gregoriska, sentia-me carregada por ele como o fora por Kostaki. Entretanto, dessa vez, aquela carreira terrível, assustadora, fúnebre, transformava-se num doce e arrebatador enlace ao qual a velocidade imprimia volúpia, pois a velocidade também possui uma intrínseca volúpia. Amanheceu. Desci. Pareceu-me perceber alguma coisa ainda mais sombria que de costume na maneira como Kostaki me cumprimentou. Seu sorriso deixara de ser irônico, transformara-se numa ameaça. Quanto a Esmeranda, pareceume a mesma de sempre. Durante o almoço, Gregoriska ordenou que preparassem seus cavalos. Kostaki pareceu não dar a mínima para aquela ordem. Por volta das onze horas, Gregoriska veio se despedir, anunciando seu retorno apenas para a noite e pedindo à mãe que não o aguardasse para o jantar. Em seguida, voltando-se para mim, pediu-me igualmente que aceitasse suas desculpas. Então partiu. O olho do irmão seguiu-o até que ele deixasse o aposento e, naquele instante, saiu desse olho um raio de tamanho ódio que me deu calafrios. O dia se passou em meio a inquietudes que os senhores podem imaginar. Eu não confidenciara nossos planos a ninguém. Mesmo em minhas preces, mal ousara mencioná-los a Deus. Parecia-me serem do conhecimento de todos e que os olhares de todos, ao pousarem sobre mim, penetravam e liam no fundo do meu coração. O almoço foi um suplício. Melancólico e taciturno, Kostaki raramente falava. Dessa vez, limitou-se a dirigir duas ou três palavras à sua mãe, em moldávio, e em todas elas o tom de sua voz me fez estremecer. Quando me levantei para subir ao quarto, Esmeranda, como sempre, me beijou e, ao me beijar, repetiu a frase, que, há uma semana, eu não ouvia sair de sua boca: — Kostaki ama Hedwige! Essa frase me perseguiu como uma ameaça. Sozinha no quarto, pareceu-me que uma voz fatal murmurava ao meu ouvido: “Kostaki ama Hedwige!” Ora, o amor de Kostaki, Gregoriska me havia dito, significava a morte. Por volta das sete horas da noite, quando o dia começava a cair, vi Kostaki atravessar o pátio. Ele se voltou para olhar na direção do meu quarto, e eu pulei para trás a fim de que não pudesse me ver.

E se afastou a galope, na direção do mosteiro de Hango. Fiquei preocupada, pois, enquanto minha posição na janela me permitiu segui-lo com a vista, eu o vira dirigindo-se às estrebarias. Atrevi-me a puxar os ferrolhos da porta e a me esgueirar até o quarto vizinho, de onde podia acompanhar seus movimentos. Com efeito, era para as estrebarias que se dirigia. Lá chegando, pegou pessoalmente seu cavalo favorito e, com a minúcia do homem que dá grande importância aos pequenos detalhes, selou-o com as próprias mãos. Usava o mesmo traje com o qual eu o vira da primeira vez. À guisa de armamento, contudo, levava apenas o sabre. Selado o cavalo, ele dirigiu novamente o olhar para a janela do meu quarto. Não me vendo lá, pulou na sela, mandou que abrissem a mesma porta pela qual seu irmão saíra e deveria voltar, e se afastou a galope, na direção do mosteiro de Hango. Apavorada, um pressentimento fatal me dizia que Kostaki partia ao encontro do irmão. Permaneci na janela enquanto pude distinguir a estrada, que, a um quilômetro do castelo, fazia uma curva brusca e se perdia na orla da floresta. Mas a noite descia cada vez mais densa e a estrada terminou por desaparecer completamente. Continuei ali. No fim, minha inquietude, em virtude de seu próprio excesso, devolveu-me forças e, como era obviamente no rés do chão que eu devia ter as primeiras notícias de um ou outro dos dois irmãos, desci. Meu primeiro olhar foi para Esmeranda. Pela serenidade de seu rosto, vi que não sentia nenhuma apreensão. Dava suas ordens rotineiras para o jantar, e os talheres dos dois irmãos estavam no lugar. Não ousei interrogar ninguém. Aliás, a quem teria interrogado? Ninguém no castelo, exceto Kostaki e Gregoriska, falava nenhuma das duas línguas que eu dominava. Ao menor ruído, eu estremecia. Era normalmente às nove horas que se ia para a mesa de jantar. Às oito e meia eu já havia descido. Acompanhava com os olhos o ponteiro dos minutos, cuja marcha era quase palpável no vasto mostrador do relógio. O ponteiro viajante transpôs a distância que o separava do quarto de hora. O quarto de hora soou. A vibração reverberou, sombria e triste, depois o ponteiro retomou sua marcha silenciosa e o vi novamente percorrer a distância com regularidade e lentidão. Poucos minutos antes das nove horas, pareceu-me ouvir o galope de um cavalo no pátio. Esmeranda também ouvira, pois voltou a cabeça para o lado da janela. A escuridão da noite, contudo, tornara-se impenetrável ao olhar. Oh, se Esmeranda voltasse os olhos para mim naquele momento, decerto teria adivinhado o que se passava em meu coração! Ouvia-se o trote de apenas um cavalo, e tudo estava dito. Eu sabia muito bem que somente um cavaleiro retornaria. Mas qual deles? Passos ressoaram na antecâmara, passos lentos e que pareciam hesitantes, pesando como chumbo no meu coração. A porta se abriu. Vi uma sombra desenhar-se na penumbra e deter-se à porta momentaneamente. Meu coração parou de bater. A sombra avançou e, à medida que entrava no círculo de luz, eu voltava a respirar. Reconheci Gregoriska. Mais um instante de dúvida, e meu coração explodiria. Reconheci Gregoriska, no entanto ele estava pálido como um cadáver. Pela sua fisionomia, via-se que alguma coisa terrível acabara de acontecer. — É você, Kostaki? — perguntou Esmeranda. — Não, minha mãe — respondeu Gregoriska, com uma voz rouca. — Ah, é você! — disse ela. — E desde quando sua mãe deve esperá-lo? — Mãe — disse Gregoriska, com um olhar até o relógio de parede —, são apenas nove horas. E, ao mesmo tempo, com efeito, soaram nove horas. — É verdade — disse Esmeranda. — Onde está seu irmão? Num reflexo, ocorreu-me ser essa a mesma pergunta que Deus fizera a Caim.117 Gregoriska não respondeu. — Ninguém viu Kostaki? — inquiriu Esmeranda. O vatar, ou mordomo, informou-se à sua volta. — Por volta das sete horas — disse ele —, o conde esteve nas estrebarias, selou pessoalmente seu cavalo e tomou a estrada de Hango. Nesse momento, meus olhos encontraram os olhos de Gregoriska. Não sei se realidade ou alucinação, julguei ver uma gota de sangue no meio de sua testa. Levei lentamente meu dedo à minha própria testa, indicando o lugar onde julguei perceber a mancha. Gregoriska compreendeu, sacou um lenço e se limpou. — Sim, sim — murmurou Esmeranda —, ele deve ter topado com algum urso ou lobo, divertindo-se em persegui-lo. Coisa de filho para fazer a mãe esperar. Onde o deixou, Gregoriska? Fale. — Mãe — respondeu Gregoriska, com uma voz comovida, porém firme —, meu irmão e eu não saímos juntos. — Pois então muito bem! — decidiu Esmeranda. — Podem servir. Passemos para a mesa. As portas serão fechadas e os que estiverem do lado de fora lá dormirão. As duas primeiras partes dessa ordem foram executadas ao pé da letra. Esmeranda ocupou seu lugar, Gregoriska sentou-se à sua direita e eu à sua esquerda. Em seguida, os criados saíram para cumprir a terceira, isto é, fechar as portas do castelo. Nesse momento, ouviu-se um tropel no pátio e um valete transtornado adentrou a sala, exclamando: — Princesa, o cavalo do conde Kostaki acaba de entrar no pátio, sozinho e coberto de sangue! — Oh — murmurou Esmeranda, erguendo-se, pálida e ameaçadora —, foi assim que o cavalo de seu pai regressou uma noite. Voltei os olhos para Gregoriska. Ele não estava mais pálido, estava lívido. Com efeito, uma noite o cavalo do conde Kropoli chegara ao pátio do castelo todo ensanguentado e, uma hora depois, os criados o encontraram e recolheram seu corpo coberto de ferimentos. Esmeranda arrancou a tocha da mão de um dos criados, foi até a porta, abriu-a e desceu ao pátio. O cavalo, assustado, ia sendo a muito custo contido por três ou quatro serviçais que uniam forças para aquietá-lo. — Kostaki foi morto de frente — ela disse —, em duelo e por um único inimigo. Procurem seu corpo, rapazes, mais tarde procuraremos seu assassino. Como o cavalo retornara pela porta de Hango, todos os criados precipitaramse por ela e, assim como numa linda noite de verão vemos os vaga-lumes cintilarem nas planícies de Nice e Pisa, vimos suas tochas se perderem no campo e se embrenharem na floresta. Esmeranda, parecendo convicta de que a busca não seria longa, esperou de pé à porta. Nenhuma lágrima escorria dos olhos daquela mãe consternada. Contudo, era possível sentir um rugido de desespero no fundo de seu coração. Gregoriska mantinha-se atrás dela; eu, atrás de Gregoriska. Por um instante, ao deixarmos a sala, ele teve a intenção de me oferecer o braço, mas não ousara. Ao cabo de quinze minutos, vimos reaparecerem na curva do caminho uma tocha, depois duas, depois todas as tochas. Só que, agora, em vez de se espalharem pelo campo, estavam agrupadas em torno de um centro comum. Não demoramos a constatar que o centro compunha-se de uma padiola e de um homem estendido sobre ela. O cortejo funéreo avançava lentamente, mas avançava. Ao fim de dez minutos, chegou à porta. Percebendo a mãe viva à espera do filho morto, os que o carregavam tiraram instintivamente os chapéus e entraram silenciosos no pátio. Esmeranda posicionou-se atrás deles e nós a seguimos até o grande salão, onde o corpo foi depositado. Então, fazendo um gesto de suprema majestade, Esmeranda abriu caminho e, aproximando-se do cadáver, pôs um joelho no chão à sua frente, afastou os cabelos que formavam um véu em seu rosto e contemplou-o demoradamente, os olhos sempre secos. Em seguida, abrindo a túnica moldávia, rasgou a camisa ensanguentada. O ferimento localizava-se no lado direito do peito. Fora produzido por uma lâmina reta e de dois gumes. Lembrei-me de ter visto ao lado de Gregoriska, naquele mesmo dia, o comprido facão de caça que usava como baioneta em sua carabina. Esmeranda pediu água, embebeu seu lenço e lavou a chaga. Um sangue fresco e puro veio avermelhar os lábios do ferimento.

“Kostaki foi morto de frente, em duelo e por um único inimigo.” O espetáculo que se desenrolava à minha frente exprimia algo de atroz e sublime ao mesmo tempo. Aquele vasto aposento, enfumaçado pelas tochas de resina, os rostos bárbaros, os olhos brilhando de ferocidade, as roupas estranhas, aquela mãe que calculava, diante do sangue ainda quente, há quanto tempo a morte lhe roubara o filho, o completo silêncio, apenas interrompido pelos soluços dos bandoleiros chefiados por Kostaki, tudo isso, repito, era atroz e sublime de ver. Por fim, Esmeranda aproximou os lábios da testa do filho e, levantando-se e jogando para trás suas longas tranças, de cabelos brancos que se haviam desenrolado, disse: — Gregoriska? Gregoriska estremeceu, sacudiu a cabeça e, saindo de sua atonia, respondeu: — O que foi, mãe? — Venha aqui, filho, e me ouça. Gregoriska obedeceu, tremendo, mas obedeceu. À medida que se aproximou do corpo, o sangue, mais abundante e carmim, foi saindo do ferimento. Felizmente, Esmeranda deixara de olhar para ele, pois, se percebesse aquela denúncia sanguinolenta, não precisaria mais procurar pelo assassino. — Gregoriska — ela disse —, sei muito bem que Kostaki e você não se gostavam. Sei muito bem que você, por parte de pai, é um Waivady, enquanto ele é um Koproli. No entanto, por parte de mãe, vocês dois são Brancovan. Sei que você é um homem das cidades do Ocidente e ele, um filho das montanhas orientais. No entanto, como um só ventre os engendrou, vocês são irmãos. Pois bem! Gregoriska, quero saber se levaremos meu filho para junto do pai sem que o juramento de vingança tenha sido pronunciado, ou se posso ao menos chorar tranquila, encarregando-o, isto é, a um homem, da punição? — Aponte o assassino de meu irmão, senhora, e ordene. Se exigir, juro que daqui a uma hora ele terá deixado de viver. — Continue a jurar, Gregoriska, jure, sob pena de maldição, está ouvindo, meu filho? Jure que o assassino morrerá, que você não deixará pedra sobre pedra de sua casa, que sua mãe, seus filhos, seus irmãos, sua mulher ou sua noiva perecerão pela sua mão. Jure e, jurando, atraia para si a cólera dos céus caso não cumpra esse juramento sagrado. Se não cumpri-lo, curve-se à miséria, à execração de seus amigos, à maldição de sua mãe! Gregoriska estendeu a mão sobre o cadáver. — Juro que o assassino morrerá! — proferiu. Durante esse estranho juramento, cujo verdadeiro sentido talvez apenas eu e o morto fôssemos capazes de compreender, vi realizar-se, ou julguei ver, um prodígio assustador. Os olhos do cadáver se reabriram e me fitaram, mais vivos do que eu jamais os vira, e senti, como se aquele raio duplo fosse palpável, um fogo ardente a incendiar o meu coração. Aquilo foi demais para mim, e desmaiei.

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