8 - TIA BESSIE E TIO EFRAIM
Sr. e Sra. Efraim Carruthers fizeram uma viagem de mil milhas de sua casa em Clarksville, no
Missouri, situada nas margens do rio Mississippi, até o porto de Nova Iorque para ir ao encontro do seu
sobrinho Kit que vinha do exótico país de Bengala. Na ocasião também alguns amigos de Clarksville se
encontravam em Nova Iorque aonde tinham ido a negócios e aproveitaram a oportunidade para irem ao
porto receber o menino que chegava. Apesar de corpulenta, Bessie Carruthers tinha algo da beleza de sua
irmã mais nova, a mãe de Kit. Era pessoa alvoroçada, agitadiça, de coração bom, presidenta do
Clarksville Garden Club e de grandes atividades nas rodas literárias locais. Seu marido Efraim era um
homem de negócios que prosperava com seu ramo de madeiras.
Quando estavam aguardando a chegada do navio, Bessie não sabia dizer muita coisa a respeito de
Kit e seus pais. Acreditava que seu pai devia ser um rico agricultor e que o jovem Kit devia estar
acompanhado de um criado de quarto particular; e andou espalhando este boato, para impressionar os
seus amigos. E note-se que em Clarksville ninguém tinha o luxo de ter um criado particular.
Quando o navio passou pela Estátua da Liberdade, Kit e Gurã se acotovelaram com os outros
passageiros no tombadilho. Os garotos tomaram a estátua por algum monumento religioso e Gurã pensou
que a silhueta formada pelos arranha-céus fosse uma cordilheira de montanhas. Quando o navio chegou
ao cais, Gurã se enfiou em seu camarote e não queria de jeito nenhum sair. Tinha visto a multidão de
gente lá fora e como estavam vestidos. Sentia-se envergonhado de desembarcar somente com a camisa de
Kit por cima de suas tangas. Mas acontece que Kit estava impaciente por descer.
— Veja, lá faz calor e a única coisa que você precisa são as tangas — disse-lhe Kit. Estavam
chegando justamente num daqueles verões quentes de Manhattan. Gurã se recusou a descer. Queria paletó
e calças como Kit. Estavam num dilema, pois Kit tinha somente uma roupa. A situação foi resolvida meio
a contragosto por Kit, que deu ao amigo seu único terno. A roupa assentou que nem um saco no anão, mas
Gurã se mirou orgulhosamente no espelho, obviamente todo satisfeito. Um funcionário de bordo na porta,
avisando que seus papéis já tinham sido liberados e que os levaria a um grupo de amigos que os
esperavam em terra. Agarrando Gurã pela mão, Kit correu afobado para o convés. O funcionário olhou
fixamente para aquela dupla esquisita, mas lhe haviam dito que não fizesse perguntas a esse rapazola fora
do comum.
Para impressionar seus amigos de Clarksville, enquanto esperava Kit, a tia Bessie deitou falação
ainda mais a respeito da família do sobrinho, contando mil e uma coisas: "Vejam só — comentava ela —
seu pai se chama Walker e possui milhares de acres de terra. É da alta roda da sociedade... viajou pelo
mundo inteiro, tem uma infinidade de criados, recebe em sua casa pessoas de sangue azul da Europa..." e
por aí afora. Os amigos estavam impressionados com tudo aquilo e esperavam ansiosos. O comissário
dirigiu-se ao grupo e disse:
— Srs. Carruthers, seu sobrinho vai descer agora.
Kit e Gurã começaram a descer a escada do navio. Centenas de cabeças se voltaram para olhar para
eles, cheios de espanto. E quem vinha lá? Kit, esguio e tostado do sol, apenas de tangas; o pequeno Gurã,
com um terno muito maior do que ele e que lhe pendia no corpo feito um saco, com as mangas indo muito
além das mãos e as calças cobrindo-lhe totalmente os pés. O tio Carruthers e todos os demais do grupo
olharam espantados. Era este o rico sobrinho e seu criado particular? Tia Bessie nem mais sentiu vontade
de falar e parecia que tinha perdido a fala. Mas seu encontro foi interrompido por um pequeno caminhão
que vinha pelo cais em direção a eles, buzinando. Num piscar de olho Kit e Gurã correram em direção a
uma cabine telefônica e treparam nela. Nenhum dos dois em sua reação instantânea, aprendida na selva e
posta em prática quase sem pensar, assemeIhava-se àquela que alguém tem diante de um enorme animal
do mato que sai em disparada de dentro da floresta. A gente trepa logo numa árvore, velozmente.
Ninguém vai querer parar para se certificar se é um rinoceronte, hipopótamo, elefante ou búfalo. A
reação imediata que se tem é correr, trepar numa árvore e depois ver o animal.
Não sabendo do que se tratava, e tampouco qual a razão daquela cena, a multidão no cais se riu e
divertiu Os amigos de Clarksville se entreolhavam assombrados. Tia Bessie estava apatetada. Mas tio
Efraim, um senhor cabeçudo e prático, não estava assombrado nem apatetado. — É simplesmente um
selvagem — murmurou ele. — É isto aí que sua irmã nos mandou? — Tia Bessie olhou furiosa para o
marido. Sua mente se aclarou. Se Efraim desaprovasse alguma coisa, era justamente isso que ela passava
a querer. Encaminhou-se a passos largos e resolutos em direção a cabine telefônica, com seu chapelão
bamboleando na cabeça, e olhou para cima.
— Desçam. Aquele caminhão não lhes vai fazer nada. Eu sou sua tia Bessie. — Kit estava vermelho
de vergonha. Logo que chegou lá em cima da cabine, lembrou-se dos seus livros de escola e viu o
papelão que estava fazendo. Era simplesmente um auto. Deu um pulo de uns oito metros até o chão,
caindo de quatro como um gato. A multidão que observava prendeu a respiração. Kit olhou para o rosto
incerto e sorridente que estava em sua frente e, vendo nele algumas semelhanças com sua mãe, abraçou a
tia Bessie.
— Olá, tia Bessie. Eu sou Kit. — Uma forma humana jogou-se lá de cima, postando-se perto dele.
— Este aqui é Gurã, meu amiguinho.
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