12 - O DIA DE KIT WALKER
Praticamente em todas as partes do mundo a primavera é uma estação linda. Mas este ano a
primavera se revestia de uma beleza especial para Kit. Era o tempo dos bailes de primavera, a ocasião
própria para jovens casais de namorados passearem de mãos dada nas sombras amenas dos bosques da
universidade. Diana continuava frequentando a escola no oeste, mas várias vezes ia a Harrison para
visitar Kit. Tinha nesta época quase dezoito anos de idade e se via que as promessas alvissareiras de
beleza que a sua juventude prometia não haviam falhado. Tornara-se uma jovem senhora de porte
magnífico, com seus cabelos que mais se pareciam com uma nuvem escura. E como gostava desse jovem
herói de Harrison. E Kit era apaixonado por Diana. Tinha ainda quatro anos pela frente para completar
seus estudos, mas quando tocava de leve no futuro, como toda garota que tem namorado faz, Kit ficava
embaraçado e procurpva desconversar.
Na qualidade de filho do Fantasma, ele não podia fazer nenhum plano concreto para o futuro. Às
vezes devaneava sobre o assunto. Diana na Caverna da Caveira — não, isto lhe parecia impossível:
aquela garota de família rica, de lindos vestidos, com educação feita em escolas particulares, que nas
férias costumava viajar pelas capitais da Europa, aficionada de concertos de ópera, que gostava de
teatro, que cobiçava para si um lugar de destaque no mundo dos desportos como uma mergulhadora de
competições em Olimpíadas — Diana na Caverna da Caveira? Não só impossível, mas até ridículo. Por
isso nunca lhe falou a respeito da caverna, limitando-se a descrever os particulares da selva. Seus modos
reticentes a deixavam encabulada, mas acreditava nele. Deve ter uma razão plausível para isto, pensava
ela.
Mas a primavera estava proporcionando a Kit mais coisas além da formatura e dos passeios. A
enorme quadra de esportes que havia sido construída perto do campus da universidade, em grande parte
graças ao renome que ele levara para Harrison, estava agora concluída.
Tanto o corpo docente da universidade como os estudantes anunciaram planos para homenagear o
seu campeão americano, com um Dia de Kit Walker em suas programações de festejos anuais.
Constariam da lista hóspedes convidados: senadores e deputados; doze bandas marciais das escolas
superiores; prefeitos, juizes e outras altas personalidades, além de cinquenta mil amigos e parentes. O
grande dia das comemorações seria uma semana antes que se iniciassem os exames finais e seria o
coroamento de sua carreira de quatro anos em Harrison. Diana se deslocou do oeste e de Clarksville
chegaram tia Bessie, tio Efraim e um contingente de amigos; presentes estavam também antigos colegas
de turma de Clark, inclusive o próprio Jackson; afinal todo mundo que estivera com esse extraordinário
garoto das selvas de Bengala fez questão de estar presente.
A esta altura dos acontecimentos tio Efraim se prosava tanto do seu Kit como se fosse seu próprio
filho. E Diana morria de ciúmes. Tinha a impressão de que todas as garotas do mundo andavam vidradas
no seu herói. Quanto ao que aconteceria depois deste mês, era coisa que só vagamente passava pela
cabeça de Kit; mesmo assim tratou de alijar estes pensamentos de sua cabeça. Diana estava com ele, e
isto era o que realmente interessava. Em si não era unicamente isto o que lhe interessava. Naturalmente
que os festejos em homenagem a ele o empolgavam e eram motivo de satisfação, se é que era mesmo
verdade o que andavam dizendo. Tentara dissuadir os encarregados a cancelar aquelas comemorações,
mas fizeram ouvidos moucos aos seus apelos. A Universidade de Harrison, já com suas visões mais
ampliadas, estava no firme propósito de homenagear seu filho favorito.
Na noite anterior ao grande dia, Kit estava passeando com Diana, que flutuava feito um sonho pelo
chão lustroso do salão de bailes, envolta em seu vestido de seda fina. Isto foi no ginásio da universidade,
agora decorado com flores e flâmulas, onde Kit arrancara o campeonato de pesos pesados. Aquele dia
tinha sido tremendo. A cidade regorgitava de forasteiros; os hotéis não tinham mais acomodações e
recusavam as pessoas, as quais iam hospedar-se em casas particulares. Havia gente dormindo nos carros,
nos ônibus ou até mesmo na grama. Na pequena cidade não se encontrava mais nenhuma acomodação
para a multidão que acorrera para homenagear Kit Walker.
Depois de jantar no hotel em companhia de Diana, tia Bessie e tio Efraim e dado o passeio com
Diana, que o tio e a tia ficaram corujando de longe, despediu-se de todos. É que tinha que enfrentar um
dia daqueles. Levou Diana ao dormitório das senhoras, passando pela ala calma do campus; desejou-lhe
boa noite, beijando-a não somente uma vez, mas muitas vezes, e encaminhou-se rapidamente de volta ao
seu quarto, com a sua cabeça inebriada pelo perfume delicado que a lembrança de sua amada lhe trazia.
Sentou-se no seu quarto e ficou cismando com seus pensamentos, olhando para as paredes. Como numa
tela panorâmica, os anos desfilaram pela sua mente: o navio, Clark, Harrison, Diana. E agora, o quê?
Houve um ruído na sua janela do segundo andar. Em seguida outro. Baniu de si os devaneios e
encaminhou-se para a janela. Alguém estava atirando pedrinhas contra o vidro da janela. Seria um colega
de universidade? Uma fã? Deu uma olhada pela janela, no gramado lá embaixo uma criatura pequena
.estava olhando para cima, na direção dele. Seria uma criança? Não. Era um homem preto vestindo um
terno ridiculamente largo para ele — erguendo para o alto suas mãos e seus sapatos. Era Gurã, lá do
povo pigmeu envenenado.
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