17 - MUITOS ANOS DE VIDA PARA O
FANTASMA
Quando se encaminhou em direção à luz das tochas, um bramido de vozes surgiu dos pigmeus. Todos
os homens, mulheres e crianças estavam ali reunidos.
— O Fantasma morreu. Muitos anos de vida para o Fantasma — usando o velho refrão que um
Fantasma morto há muito tempo lhes ensinara. Esse povo miúdo e sorridente estava reunido em volta dele
para tocá-lo. Todos adoravam seu pai. Mas agora não havia mais motivo para tristezas. Este povo da
selva vivia perto da terra e dos eternos ciclos da vida e da morte bem como da renovação da vida em
todas as coisas viventes. Por isso é que não conhecia mais tristezas, neste momento. Seu velho amigo
tinha falecido, mas agora voltava novamente, jovem e forte. Agora percebeu Kit a sabedoria e a
importância do traje do Fantasma. Foi recebido sem reservas, sendo cumulado de todos os aplausos e
honorificências que os seus ancestrais conquistaram antes dele.
Com aquele povo anão apinhando-se em volta, dirigiu-se ao Trono da Caveira. Para eles a vida
voltara ao normal. O Fantasma estava de volta. Sentou-se no trono de pedra com sua caveira de pedra
esculpida em ambos os lados. Este trono simbolizava o seu papel de Guardião da Paz que teria que
desempenhar na selva. E casualmente, quando os chefes tribais o procurassem, seria neste trono que se
colocariam para discutir seus problemas e dirimir contendas. Mas nenhum Fantasma jamais teve a
pretensão de querer dominar e não era encarado como dominador por nenhum dos povos da selva. Ele
era seu velho amigo, cuja única missão era colaborar para levar a paz às tribos que viviam sempre em
brigas e ajudar a castigar os malfeitores.
— Fantasma, Fantasma — gritavam os habitantes de Bandar, enquanto preparavam uma grande festa
na clareira que havia diante do trono. Seus gritos de alegria eram ouvidos até além do barulho da
cachoeira.
Enquanto observava esses preparativos da festa — que incluíam a carcaça de um pequeno elefante
no qual andaria montado durante uma semana —> em sua mente desfilavam céleres imageny de velhas
lembranças. Clarksville, Harrison, Diana. O Dia de Kit Walker. O que havia acontecido no estádio?
Algum dia perguntaria a Diana, pois tinha a intenção de vê-la de novo logo que pudesse. Mas não como
Kit Walker.
Agora que estava sentado no Trono da Caveira, esse assento dos seus antepassados, com os gritos
dos filhos de Bandar de "Fantasma, Fantasma" soando-lhe aos ouvidos, ele já não era mais Kit Walker, o
fenômeno de Harrison. Aquele Kit Walker tinha sumido, estava morto. Agora se tornara anônimo ou então
um ente que tinha muitos nomes para ele em suas próprias línguas, algumas das quais que nem se
poderiam imprimir. Ele se movimentaria nas sombras, na escuridão, tendo uma face que não seria jamais
vista por ninguém, exceto por sua esposa e filhos de seu sangue. Levaria uma vida de mistério e perigos.
Seria o terror dos malfeitores e a felicidade para os povos de boa vontade. Ele atuaria sempre sozinho,
porque seria um Fantasma autêntico. O Espírito-Que-Anda. O Homem-Que-Não-Pode-Morrer.
Uma dúzia de mãozinhas puxaram-no do trono para o local dos festejos. E que festejos! Os pigmeus
tinham trabalhado neles incansavelmente e dispendido as energias de toda a tribo para prepará-los.
Havia animais, peixes e galináceos: uns cozidos, outros crus, outros sem pele, outros com pele, outras
com penas, outros ainda intactos com escamas. Legumes, verduras, nozes e cerejas em abundância. Na
frente de Kit, um pedaço descomunal de carne de elefante. Para este povo nanico tinha sido um dos
maiores triunfos poder matar este monstro e constituía uma deferência especial para este seu hóspede de
honra.
Ele olhou para a montanha de carne que havia em sua frente. Não havia como escapar. Os olhares de
todos estavam voltados para ele. Não havia facas nem garfos. Apanhou depressa um pedaço de carne
gordurosa. Os presentes esperaram. Olhou em volta para as fileiras de pequenos rostos ansiosos. Em
grupos espalhados por todos os lados estavam aguardando o sinal de partida dado por ele.
"É agora", pensou ele consigo e, prendendo a respiração, começou a mastigar.
Aquilo foi o sinal verde para que entre os de Bandar se formasse um verdadeiro pandemônio.
Começaram a dançar e gritar.
— Fantasma. Fantasma. Que o Fantasma tenha vida longa, muitos anos de vida!
"Mas não será por muitos anos, se eu continuar comendo deste jeito", pensou ele. Deve haver
algumas mudanças nos cardápios da Floresta Negra.
As últimas palavras do seu pai foram: "Terá dias felizes e dias maus".
"Gostaria de saber se a isto ele chamaria de dias felizes ou maus", pensou ele, sorrindo. Mas,
quando olhou em volta para aqueles rostos amigos, tão felizes porque lhe estavam proporcionando
momentos de alegria e tão contentes por estarem com ele, então soube a razão de toda aquela explosão de
contentamento: Estava de novo entre eles.
FIM
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